Em outubro, um vídeo do influenciador, psicoterapeuta e pesquisador Pedro Sampaio viralizou ao responder a declarações da psiquiatra-influencer Dr.ª Beatriz, que afirmou que o campo magnético do celular poderia interferir no cérebro humano, especialmente durante o sono. As falas chamaram atenção ao sugerir que “o campo magnético do cérebro e do celular são muito equivalentes” e que, ao dormir perto do aparelho, ambos tenderiam a “se harmonizar”, prejudicando a qualidade do sono. Mas essa hipótese tem respaldo científico? Pedro explica, de forma acessível, por que não.
A seguir, os pontos principais que ajudam a esclarecer por que a ideia de interferência magnética entre cérebro e celular não encontra sustentação na física e na neurociência:
1) O campo magnético do cérebro é muito menor que o de um celular
Dr.ª Beatriz afirmou que os campos seriam “equivalentes”, mas Pedro destaca que não há equivalência. Segundo ele, “o campo do cérebro é ínfimo, está na faixa de femtotesla a picotesla, tanto que para medir precisamos usar equipamentos caríssimos em salas blindadas”. Para ilustrar a diferença de escala, Sampaio compara: seria “como comparar a massa de uma formiga com a de um Boeing” — uma discrepância tão grande que torna qualquer comparação direta impraticável.
2) Cérebro e celular geram campos por mecanismos distintos
Outra justificativa usada no vídeo original era que ambos funcionariam por descargas elétricas, sugerindo similaridade entre seus campos. Pedro explica que isso não se aplica: “O cérebro gera campos porque íons se movem nos neurônios. O celular, porque corrente elétrica passa pelos circuitos. A natureza, intensidade e efeito desses campos são completamente diferentes.” Em outras palavras, o fato de ambos envolverem eletricidade não implica que seus campos tenham relação prática.
3) O cérebro não “desliga” durante o sono
Dr.ª Beatriz também afirmou que, ao dormir, o cérebro desligaria seus circuitos e reduziria seu campo magnético, ficando mais suscetível ao campo do celular. Sobre isso, Pedro comenta: “O cérebro não desliga quando dormimos, apenas muda de atividade. O sono produz ondas lentas que acabam aumentando o campo — embora ele siga absolutamente pequeno.” Há, sim, mudanças fisiológicas durante o sono, mas nenhuma delas cria condições favoráveis para que campos magnéticos tão distintos interfiram entre si.
4) Campos magnéticos não se “harmonizam”
A ideia de que “dois campos magnéticos tendem a se harmonizar” não encontra respaldo na física moderna. Conforme Pedro explica, pelas equações de Maxwell os campos simplesmente se somam; “não existe isso de equivaler. Se fosse assim, um ímã de geladeira já transformaria seu cérebro em uma bússola.” A noção de “harmonização” entre campos magnéticos, portanto, não tem fundamento teórico.
5) Não há evidências científicas de interação relevante
Para uma avaliação técnica, o professor Thiago Henrique Roza, da UFPR, que pesquisa o uso problemático de tecnologias, afirma que, ao longo de anos estudando a interação entre humanos e tecnologias, nunca encontrou referência a esse tipo de efeito: “Pode existir algum estudo muito obscuro, mas nada que tenha ganhado atenção internacional.” Ele reforça: “Não existe evidência científica de que o campo magnético do celular interaja de forma significativa com o campo gerado pelo cérebro.”
6) O que realmente afeta sono e saúde mental no uso de celulares
Embora a hipótese magnética não se sustente, o uso excessivo de telas pode, sim, trazer prejuízos — por motivos completamente diferentes. Segundo especialistas, os principais fatores que afetam sono e bem-estar são:
- exposição a luz intensa à noite;
- excesso de estímulos;
- interrupções constantes por notificações;
- ansiedade e FOMO (medo de perder algo);
- perda de foco e sono fragmentado.
Esses pontos contribuem para cansaço, problemas de atenção e alterações de humor, mas não têm relação com campos magnéticos.
A discussão ganhou destaque por misturar uma afirmação sobre magnetismo — que não encontra respaldo teórico ou empírico — com preocupações legítimas sobre o uso de celulares. Em resumo: o campo magnético do cérebro funciona de maneira distinta do campo gerado por um telefone e não há evidências de interação significativa entre eles; já os efeitos negativos do uso excessivo de telas existem, porém por outras causas.