Entre os grandes espetáculos astronômicos de 2025 — que incluiu eclipses, superluas e alinhamentos planetários — um fenômeno se sobrepôs a todos: o cometa 3I/ATLAS. Apenas o terceiro visitante interestelar identificado no Sistema Solar, o objeto monopolizou telescópios, manchetes e a curiosidade do público.
Da descoberta, no meio do ano, até a aproximação mais recente à Terra, a trajetória do 3I/ATLAS foi marcada por observações científicas relevantes e por boatos que circularam nas redes.
Descoberta e natureza interestelar
Detectado em julho, o corpo chamou atenção desde o início por sua alta velocidade e pela órbita hiperbólica — uma trajetória aberta que indica passagem pelo Sistema Solar, sem captura pelo Sol. Observações subsequentes confirmaram que se tratava de um cometa de origem interestelar, registrado oficialmente como C/2025 N1 (ATLAS) e também conhecido como 3I/ATLAS. Estimativas iniciais sugerem que ele pode ter cerca de sete bilhões de anos, portanto possivelmente mais antigo que o próprio Sistema Solar.
Composição e primeiras análises
Análises espectroscópicas e imagens obtidas por diversos instrumentos apontaram para uma composição marcante: abundância de dióxido de carbono e presença de níquel atômico foram reportadas. A missão SPHEREx, lançada pela NASA em março, detectou dióxido de carbono na coma — a grande nuvem gasosa que envolve o núcleo — cuja extensão chegou a cerca de 350 mil quilômetros e apresentou um brilho esverdeado característico. Telescópios terrestres também registraram uma anticauda do cometa apontando na direção do Sol.
Rumores sobre origem tecnológica
Dados reais, como a detecção de níquel atômico, acabaram sendo reinterpretados por alguns como indício de origem tecnológica alienígena. Essa hipótese foi rejeitada pela maioria dos especialistas e oficialmente descartada pela NASA; não há evidência que sustente qualquer alegação de natureza artificial.
Divulgação de imagens e teorias da conspiração
Em um conjunto inédito, a NASA liberou imagens do 3I/ATLAS obtidas por cerca de 20 espaçonaves entre setembro e outubro. A publicação dos materiais levou mais de 40 dias, porque os dados precisaram passar por processos de calibração e validação científica, envolveram coordenação entre equipes diferentes e sofreram atraso devido a um período de paralisação administrativa nos EUA (shutdown). Esse intervalo motivou teorias conspiratórias que alegaram — sem provas — que informações estariam sendo ocultadas. Aconteceu também confusão entre uma campanha legítima de observação anual de cometas e a ideia de um suposto protocolo de segurança excepcional acionado pela agência, o que não corresponde à realidade.
Imagens e observações desde Marte e do solo
O cometa foi observado por instrumentos em órbita de Marte, como a câmera HiRISE do Mars Reconnaissance Orbiter, além de ser registrado por telescópios e observatórios em solo. Fotografias obtidas com equipamentos como o Very Large Telescope também contribuíram para caracterizar a coma e a composição do objeto.
Vulcões de gelo e atividade criovulcânica
Um estudo sugeriu que o 3I/ATLAS pode apresentar “vulcões de gelo” — regiões onde materiais congelados sublimam diretamente, criando jatos que lançam partículas e geram mudanças no comportamento do corpo. Essa atividade explicaria a aceleração não gravitacional observada e ajudaria a compreender a dinâmica de um visitante interestelar. A proposta de criovulcanismo provocou debate: alguns pesquisadores questionaram se o objeto seria um cometa no sentido clássico ou outro tipo de corpo com propriedades atípicas. Ainda assim, a maioria dos cientistas considera os jatos e a atividade sublimativa a explicação mais consistente para os fenómenos observados. Como resume o astrônomo amador Cristóvão Jacques, fundador do Observatório SONEAR em Oliveira (MG): “Vários estudos estão sendo feitos e publicados aos poucos, e não existe uma resposta definitiva sobre a composição desse objeto”.
Periélio, ocultação pelo Sol e retomada de observações
O 3I/ATLAS passou pelo periélio — o ponto de maior aproximação ao Sol — em 29 de outubro. Antes disso, passou relativamente perto de Marte, o que permitiu observações por sondas orbitando o planeta. Missões destinadas ao estudo de Júpiter e suas luas, como Juno, Europa Clipper e JUICE, também foram ou serão aproveitadas para monitorar o visitante. Após ficar temporariamente oculto pelo brilho solar, o cometa voltou a ser visível da Terra, e observadores levantaram relatos sobre suposta mudança de cor e sobre sua aceleração não gravitacional. Pesquisas mostraram que a aceleração pode ser explicada pela liberação desigual de gases e partículas do núcleo — um comportamento comum em cometas — e que a aparente alteração de cor se deveu a diferenças entre instrumentos e condições de observação, não a uma transformação real do objeto.
Emissões inéditas e trajetória futura
Observações detectaram sinais de rádio e, de modo inédito para um cometa interestelar, emissões em raios X, além do brilho difuso associado à ampla coma. Depois da maior aproximação à Terra, o 3I/ATLAS segue sua rota para deixar o Sistema Solar; sua trajetória poderá sofrer pequena alteração ao passar por Júpiter em março.
Ciência separando fatos de boatos
O acompanhamento do 3I/ATLAS demonstrou como o trabalho coordenado de observatórios e missões espaciais permite distinguir evidência científica de especulação. O levantamento detalhado de gás, poeira, anticauda, emissões inéditas e atividade de superfície fornece informações valiosas sobre a composição e o comportamento de corpos “intrusos” que cruzam o Sistema Solar, oferecendo pistas sobre regiões ainda pouco conhecidas da Via Láctea.