Um robô guiado por inteligência artificial alcançou um feito raro na oftalmologia: realizou com alta precisão a canulação das finíssimas veias da retina em testes laboratoriais, sinalizando um caminho possível para sistemas autônomos assumirem etapas críticas de microcirurgias no futuro.
O sistema foi desenvolvido por pesquisadores da Johns Hopkins University e descrito em artigo publicado na revista Science Robotics. Nos experimentos, realizados em olhos de porco, os cientistas integraram robótica, visão computacional e aprendizado profundo para vencer desafios que até hoje limitam intervenções nessa escala.
O alvo dessa técnica é a oclusão da veia retiniana, condição que pode provocar edema macular e até perda de visão. Atualmente, o tratamento padrão exige injeções intraoculares frequentes — procedimentos invasivos, onerosos e repetitivos. A alternativa testada é a canulação direta da veia para aplicar o medicamento no ponto exato do bloqueio. O obstáculo: esses vasos têm entre 100 e 250 micrômetros, menores que um fio de cabelo, e qualquer movimento mínimo pode arruinar a manobra.
Para enfrentar essa precisão extrema, a equipe usou o Steady-Hand Eye Robot (SHER), um robô cirúrgico de altíssima precisão. O sistema combina imagens de um microscópio cirúrgico com dados de tomografia de coerência óptica intraoperatória (iOCT), que fornece cortes internos do tecido em tempo real. Com essa integração, o robô localiza a veia, posiciona a agulha na parede do vaso, perfura e retira o dispositivo com controle muito preciso.
O “cérebro” da solução é composto por três redes neurais treinadas por aprendizado profundo: uma prevê a direção do movimento da agulha; outra identifica o instante exato do contato com a veia; e a terceira confirma se a perfuração foi feita corretamente. As etapas mais delicadas ficam a cargo do sistema autônomo, enquanto o operador humano escolhe o alvo e supervisiona todo o processo.
Os resultados foram promissores: em 20 olhos de porco mantidos estáticos, o robô atingiu taxa de sucesso de 90%, com o critério sendo a entrada correta do líquido na veia confirmada tanto pela observação ao microscópio quanto pelas imagens de B‑scan da tomografia. Em testes que simularam movimentos oculares semelhantes aos causados pela respiração (seis olhos submetidos a movimento sinusoidal), a taxa caiu para 83%, mas permaneceu considerada alta para um procedimento tão sensível — indicando que o sistema mantém estabilidade mesmo em condições menos controladas.
Entre os pontos fortes apontados pelos autores estão a capacidade de eliminar limitações humanas, como tremores involuntários, e a melhoria na percepção de profundidade — um desafio clássico da microcirurgia ocular. O uso de imagens em tempo real possibilita ainda ajustes precisos durante toda a operação.
Mesmo assim, os pesquisadores ressaltam limitações importantes: os testes foram realizados apenas em olhos de porco fora do corpo, sem circulação sanguínea real, com número reduzido de amostras e sem envolvimento de animais vivos ou pacientes humanos. Segundo os próprios autores, o trabalho representa “um passo inicial rumo à tradução clínica”, mas ainda são necessários novos estudos antes que a técnica possa ser aplicada em consultório ou centro cirúrgico.