A mudança do Walmart para a Nasdaq em 9 de dezembro não foi apenas simbólica. O varejista de US$905 bilhões está fazendo uma afirmação audaciosa: não se vê mais como uma rede de desconto tradicional, mas como uma empresa orientada por tecnologia que usa IA para reestruturar suas operações de varejo.
Mas, além do discurso e da enxurrada de anúncios sobre IA, o que realmente está mudando na maior varejista do mundo — e onde ficam as lacunas entre ambição e execução?
O pivô para IA agentiva: feita sob medida, não pronta para uso
A estratégia de IA do Walmart se distancia das concorrentes que correm atrás de grandes modelos de linguagem genéricos. Segundo o CTO Hari Vasudev, a empresa aposta em uma “IA agentiva com propósito” — ferramentas especializadas treinadas nos dados proprietários de varejo do Walmart, em vez de soluções universais.
“Nosso enfoque em IA agentiva no Walmart é cirúrgico”, escreveu Vasudev em um post de maio de 2025. “Testes extensivos mostraram que, para nós, agentes funcionam melhor quando são aplicados a tarefas muito específicas, produzindo resultados que podem ser integrados para orquestrar e resolver fluxos de trabalho complexos.”
Na prática, isso gera aplicações concretas: o sistema “Trend-to-Product” reduz o tempo de produção de moda em 18 semanas. O assistente de atendimento ao cliente baseado em GenAI agora roteia e resolve problemas de forma autônoma sem intervenção humana. Ferramentas internas aumentam a produtividade de desenvolvedores, gerando testes e solucionando erros em pipelines de CI/CD. E o LLM específico do varejo, chamado “Wallaby”, treinado em décadas de dados transacionais do Walmart, alimenta desde comparações de produtos até jornadas de compra personalizadas.
A infraestrutura por trás disso é o Element, plataforma própria de MLOps criada para evitar dependência de fornecedores e otimizar o uso de GPUs em múltiplos provedores de nuvem. É uma espécie de “fábrica” interna que dá ao Walmart rapidez e flexibilidade que competidores ligados a plataformas terceirizadas dificilmente alcançam.
Números reais: onde a IA mostra impacto mensurável
O Walmart tem sido excepcionalmente transparente com métricas de retorno sobre investimento, oferecendo um raro vislumbre da economia da IA em escala empresarial:
- Operações de dados: a GenAI melhorou mais de 850 milhões de pontos do catálogo de produtos — tarefa que, segundo o CEO Doug McMillon na teleconferência de resultados de agosto de 2024, teria exigido 100 vezes o quadro de funcionários se feita manualmente.
- Eficiência da cadeia de suprimentos: a otimização de rotas por IA eliminou 30 milhões de milhas de entrega desnecessárias e evitou 94 milhões de libras (42.000 toneladas) de CO2. Essa tecnologia venceu o Prêmio Franz Edelman em 2023 e desde então foi transformada em um produto SaaS para outras empresas.
- Operações em loja: tecnologia de gêmeo digital prevê falhas em refrigeração com até duas semanas de antecedência, gerando ordens de serviço automáticas com modelos visuais, diagramas elétricos e peças necessárias. A tecnologia de saída do Sam’s Club, impulsionada por IA, reduziu o tempo de checkout dos associados em 21%, e mais de 64% dos membros já usam o sistema sem atrito em todas as unidades.
- Experiência do cliente: algoritmos dinâmicos de entrega analisam tráfego, clima e complexidade do pedido para prever tempos de entrega com precisão de minutos, permitindo entregas expressas de 17 minutos em mercados testados pela empresa.
O custo humano: “a IA vai mudar todo emprego”
McMillon não suavizou as implicações para a força de trabalho. Em conferência para colaboradores em Bentonville, em setembro de 2025, ele afirmou: “Está muito claro que a IA vai mudar literalmente todo trabalho. Talvez haja um trabalho no mundo que a IA não mude, mas eu não consigo pensar em nenhum.”
Ainda assim, a posição do Walmart é a de transformação, não eliminação. McMillon espera que o quadro total de funcionários permaneça estável mesmo com crescimento de receita — ou seja, empregos vão se deslocar, não desaparecer. Funções de escritório tendem a ser as primeiras impactadas, com chatbots assumindo atendimento ao cliente e rastreamento da cadeia de suprimentos, enquanto trabalhadores de lojas e centros de distribuição verão tarefas gradualmente absorvidas por sistemas autônomos.
A empresa vem investindo pesado em programas de requalificação. “Temos que criar oportunidade para que todo mundo consiga chegar ao outro lado”, disse McMillon na conferência. Chance, operador de equipamento de automação no centro de distribuição do Walmart em Palestine, Texas, descreveu a mudança: “Antes era 85% físico. Agora é 85% mental. Estou resolvendo problemas com a mente, não só com o corpo.”
A cartada na Nasdaq: reposicionamento para valuation de tecnologia
A transferência de bolsa foi explicitamente justificada pela transformação em IA. O CFO John David Rainey disse que a mudança reflete a empresa “definindo um novo padrão para o varejo omnicanal ao integrar automação e IA.”
O subtexto é claro: o Walmart busca os múltiplos de valuation que empresas de tecnologia alcançam. Com um P/L de 40,3x — superior ao de Amazon e Microsoft — o mercado em parte parece comprar a narrativa de transformação. A possível inclusão no índice Nasdaq 100, dominado por tecnologia, poderia atrair investimentos passivos independentemente da execução da IA.
Analistas estão divididos. Para Corey Tarlowe, do Jefferies, o movimento sinaliza que o Walmart é “menos uma corporação varejista tradicional e mais uma empresa de tecnologia.” Por outro lado, céticos lembram que a receita da companhia ainda vem de margens de varejo finas, não de serviços de software ou nuvem de alta margem — mesmo com ferramentas comercializadas como a otimização de rotas.
Veredito: transformação real, com riscos de execução
A estratégia de IA do Walmart não é puro marketing, nem é garantia de sucesso. A empresa faz investimentos estruturais em infraestrutura proprietária, aplica IA em escala com benefícios operacionais divulgados e aborda as implicações para a força de trabalho — aspectos que muitas empresas evitam.
Mas há riscos relevantes de execução: gerir ecossistemas fragmentados de agentes, prevenir vieses algorítmicos em larga escala, competir com agentes de compra externos e definir limites adequados de automação sem sacrificar precisão.
A franqueza da empresa sobre desafios — “muitas vezes, um modelo copiloto, com humanos e IA trabalhando como time, é a abordagem mais eficaz” — indica que a liderança entende que IA não é uma bala de prata.
Para empresas observando o caso do Walmart, a lição é construir para especificidade, não para generalidade. Invista em moats de dados proprietários, planeje transformação da força de trabalho além de cortes de custo, e reconheça que, mesmo com recursos massivos e talento técnico, a IA agentiva continua em estágio inicial com limitações reais.
A pergunta não é se o Walmart está usando IA — ele está, de forma evidente. A questão é se essa abordagem cirúrgica e pesada em infraestrutura vai gerar vantagem competitiva sustentável ou simplesmente automatizar a empresa dentro da mesma armadilha de margens baixas com ferramentas mais reluzentes. A resposta só ficará clara nos próximos anos — mas o fato de a companhia apostar seus US$905 bilhões de capitalização nessa transformação mostra que a liderança acredita no primeiro cenário.