YouTube recomenda mais de 20% de vídeos de baixa qualidade gerados por IA, diz pesquisa
Uma investigação da Kapwing, empresa de edição de vídeo, aponta que o algoritmo do YouTube tem enchido o feed de contas novas com o chamado “lixo de IA” (AI Slop). Segundo o estudo, mais de 20% das recomendações iniciais para usuários sem histórico são vídeos gerados por inteligência artificial de baixa qualidade.
O levantamento também mostra o tamanho do negócio: canais automatizados movimentam cerca de US$ 117 milhões por ano (aproximadamente R$ 652 milhões). Em julho, o YouTube alterou sua política de monetização na tentativa de frear esse tipo de conteúdo.
Como foi feito o mapeamento
Para entender a extensão do fenômeno, a Kapwing monitorou os 15 mil canais mais populares da plataforma, selecionando os 100 principais de cada país. A análise identificou 278 canais que operam exclusivamente com conteúdo automatizado, produzido em grande volume e baixo custo. Juntos, esses perfis somam 63 bilhões de visualizações e 221 milhões de inscritos — números que superam amplamente a audiência de muita curadoria de conteúdo original.
A metodologia do estudo simulou a experiência de um usuário novato: entre os primeiros 500 vídeos sugeridos para uma conta recém-criada, 104 foram classificados como produções de IA de baixo valor.
Como o "lixo de IA" vira lucro
O sucesso financeiro dessas operações se apoia em uma cadeia organizada: fóruns e aplicativos como Telegram e Discord servem de troca de dicas sobre nichos rentáveis. As táticas vão de simulações de desastres naturais a vídeos bizarros com objetos domésticos — por exemplo, panelas de pressão explodindo — que atraem cliques.
Produtores usam ferramentas de IA para criar dezenas de variações sobre um mesmo tema e lançam todas ao mesmo tempo. O algoritmo do YouTube, treinado para priorizar padrões de retenção, acaba promovendo as versões que geram mais cliques, permitindo que modelos vencedores sejam replicados em escala.
Alcance global e exemplos
A saturação é um fenômeno global. Na Espanha, cerca de 20 milhões de pessoas — quase metade da população — seguem canais de IA em alta. No Brasil, 13,5 milhões de inscritos acompanham esse tipo de conteúdo. A barreira linguística é reduzida, já que muitas produções apostam em elementos visuais exagerados e narrações sintéticas que dispensam compreensão verbal.
O estudo cita exemplos concretos: o canal indiano Bandar Apna Dost acumula 2,4 bilhões de visualizações e fatura cerca de US$ 4,25 milhões por ano (R$ 23,7 milhões). O Pouty Frenchie, de Singapura, foca no público infantil com histórias de animais em cenários psicodélicos e gera receitas milionárias. Outro caso, o The AI World, usa imagens geradas por IA para retratar inundações e desastres reais, somando 1,3 bilhão de visualizações.
Resposta do YouTube
Em resposta ao levantamento, um porta-voz do YouTube afirmou que a IA generativa é uma ferramenta neutra, passível de usos criativos legítimos e de produções de baixa qualidade. A plataforma reforçou que seu objetivo é conectar usuários a conteúdos “de alta qualidade” e que todo material submetido precisa seguir as diretrizes da comunidade. “Se constatarmos que algum conteúdo viola uma política, nós o removemos”, declarou o porta-voz.