F. Scott Fitzgerald já observava que "em uma noite verdadeiramente escura da alma, são sempre três da manhã". Uma análise recente de uso do Copilot da Microsoft sugere que esse impulso noturno para questionamentos existenciais segue vivo na era da IA — conversas sobre religião e filosofia sobem no ranking justamente nas primeiras horas da madrugada.
A equipe de pesquisa Microsoft AI (MAI) examinou 37,5 milhões de conversas anônimas para entender quando e por que os usuários recorrem ao Copilot. Os resultados, publicados em 10 de dezembro pelos pesquisadores Bea Costa-Gomes e Seth Spielman, revelam padrões de uso com ritmos surpreendentemente humanos: desde perguntas filosóficas tarde da noite até a ansiedade relacional no Dia dos Namorados, e uma separação nítida entre programação durante a semana e jogos nos fins de semana.
Existencialismo noturno e planejamento de viagens diurno
As conversas sobre religião e filosofia sobem no ranking nas primeiras horas da manhã, enquanto consultas relacionadas a viagens atingem pico nos horários de deslocamento. Segundo o relatório, "as questões maiores parecem ter um aumento nas horas iniciais da manhã, com 'Religião e Filosofia' ganhando posições no ranking". Por outro lado, picos de interesse em viagens ocorrem nos momentos em que as pessoas costumam estar em trânsito, sinalizando que muitos planejam deslocamentos enquanto se deslocam.
Esse contraste temporal espelha estados mentais distintos: planejamento prático durante horas ativas e questionamentos contemplativos em momentos de silêncio. O padrão desafia a ideia de que a IA serve apenas como ferramenta de produtividade, mostrando seu papel também em saciar curiosidades humanas fundamentais.
Saúde domina o uso móvel durante todo o ano
Ao longo de 2025, tópicos relacionados à saúde foram consistentemente os mais frequentes em dispositivos móveis, independentemente da hora, do dia ou do mês. Usuários recorreram ao Copilot para acompanhamento de bem-estar, dicas de saúde e gestão de rotinas diárias com notável regularidade. "Quando se trata de mobile, com sua intimidade e imediatismo, nada supera nossa categoria Saúde", escreveram os pesquisadores.
A prevalência de consultas sobre saúde em celulares — mas não em desktops — sugere que as pessoas veem os smartphones como companheiros pessoais para assuntos sensíveis. A análise indica que assistentes de IA estão se integrando às rotinas diárias de cuidado com a saúde.
Programação durante a semana, jogos nos fins de semana
Os dados de agosto mostraram um padrão cíclico claro entre programação e jogos: conversas sobre programação aumentam de segunda a sexta-feira, enquanto consultas sobre jogos disparam nos finais de semana. Os usuários se engajaram com ambos os temas em proporções semelhantes, mas de forma estritamente segregada por dia da semana. "A cruzamento sugere uma comunidade vibrante e criativa que adora codificar durante a semana e jogar nos finais de semana em igual medida", afirma o relatório. Essa separação temporal aponta que os usuários mantêm limites claros entre trabalho e lazer, mesmo quando ambos envolvem atividades digitais.
Pico de relacionamentos em fevereiro, no Dia dos Namorados
A análise mostrou um pico pronunciado em conversas relacionadas a relacionamentos no mês de fevereiro, com um ápice especificamente no Dia dos Namorados. Discussões sobre crescimento pessoal e bem-estar também aumentaram antes da data, à medida que usuários buscavam orientação sobre expectativas românticas. "Quer fosse preparando-se para o Dia dos Namorados, quer enfrentando o dia e os relacionamentos, vimos um aumento de atividade à medida que as pessoas recorriam ao Copilot por orientação, lembretes e apoio", observaram os pesquisadores. O padrão revela como o uso da IA se alinha a momentos culturais e pressões sociais, servindo como um conselheiro privado em períodos emocionalmente carregados.
De busca a aconselhamento: mudança de padrão de uso
Embora a busca de informação permaneça a função mais popular do Copilot, a análise detectou um aumento claro nos usuários que procuram aconselhamento, sobretudo em temas pessoais como relacionamentos e decisões de vida. "A tendência crescente destaca como as ferramentas digitais estão se tornando companheiras confiáveis para as questões do dia a dia", declarou o relatório. A transição de consultas puramente informativas para pedidos de aconselhamento representa uma evolução na forma como os usuários concebem assistentes de IA — de motores de busca a consultores.
Método preservador de privacidade
A equipe da Microsoft enfatizou que a análise respeitou a privacidade dos usuários ao extrair apenas resumos das conversas em vez do conteúdo completo. O sistema identifica tópico e intenção sem expor dados em nível individual. "Nosso sistema não apenas desidentifica conversas; ele extrai somente o resumo da conversa, a partir do qual aprendemos o tópico e a intenção, mantendo total privacidade", explicaram Costa-Gomes e Spielman.
A amostra de 37,5 milhões de conversas representa um subconjunto do uso do Copilot, embora a Microsoft não tenha divulgado o total de usuários ou o volume completo de conversas.
Implicações para o desenvolvimento de IA
Compreender esses padrões de uso ajuda a orientar o desenvolvimento de funcionalidades. A Microsoft apontou que reconhecer o que mais importa aos usuários — saúde, criatividade e suporte em momentos-chave — permite projetar recursos que se encaixem naturalmente no cotidiano. "Também fica claro a partir desses usos que o que o Copilot diz importa. Eles mostram por que é tão importante que mantenhamos um padrão elevado de qualidade", escreveram os pesquisadores.
Os achados complementam análises mais amplas do setor sobre padrões de uso de IA, e chegam em um momento em que a Microsoft expande sua infraestrutura de IA, com o cluster de próxima geração GB200 já operacional na MAI.
No conjunto, os padrões identificados sugerem que assistentes de IA estão se transformando além de ferramentas utilitárias, tornando-se companheiros que se adaptam aos ritmos humanos — respondendo a questões práticas durante o dia e a reflexões filosóficas nas horas em que muitos não conseguem dormir.